Purdan

            Prestes a morrer no norte da Europa Medieval, e dessa vez seria morrer de verdade. Ana Mei refletiu sobre os eventos que a levaram até ali.

            Ela era uma oriental com um marido dedicado, isso é, diferente de como os cônjuges se portavam na China medieval. A maioria dos homens eram arbitrários e tinham suas mulheres como escravas.

            Mei tinha dois filhos que amava mais do que tudo no mundo um menino de 5 anos e uma menina de 3 anos. Moravam em um casebre de madeira e não possuíam bens além de seu marido e filhos. Para a infelicidade da jovem, ela era bela e cobiçada por muitos como a primeira flor da primavera. Oficiais da “justiça” a desejavam e para lhe ter, armaram contra seu marido e mataram sua família, mesmo as crianças não foram poupadas da fúria doentia da obsessão amorosa.

            A pequena chinesa foi violada e deixada para morrer em meio a barro e urina misturado com sangue e secreção. 

            Esse foi o fim de tarde de Mei que nasceu novamente como uma filha da Marca.

       Ela era observada por Caim, o primeiro Marcado, o primeiro vampiro. Caim se apaixonara por ela e a observava de longe. Seu amor não lhe permitiu arrancar a pequena e jovem menina de sua simples vida que tanto amava, como fizeram os soldados.

            Para não a deixar morrer, Caim a transformou em uma de suas filhas.

            Exceto o fato de ter se vingado de maneira sádica dos oficiais, que deveriam proteger o povo e não os açoitar e extorquir, ela era uma doce mulher que desejava pouco o sangue daqueles que julgava boas pessoas.

            Por ela, mesmo o maléfico Caim, havia se transformado e como Mei, se alimentava apenas de vilões.

            Durante muitos anos, Caim tentou moldar a personalidade de Mei que passou a conhecer o Criador, mas na realidade, ele é que foi moldado por ela e conheceu uma pós vida de paz e serenidade, até Mei, que passou a ser conhecida por Ana Mei parou de matar ao se alimentar, mesmo dos malfeitores que costumava ser suas presas.

       Em uma noite qualquer, Caim notou a palidez a amada filha e a obrigou se alimentar. Sem escolha e próximo ao amanhecer, Ana Mei foi cumprir com o desejo do Primeiro filho do homem e saiu a caça.

            Próximo a um riozinho, dentro da floresta, Ana Mei viu algo que não esperava. Havia três crianças pescando e um urso errante prestes a ataca-los. Com toda sua bondade ela tentou impedir essa tragédia, mas uma das crianças fora ferida pelo urso. Mei, só se percebeu fraca e faminta, ao enfrentar o animal. Em sua fome avassaladora fez algo proibido. Ana Mei tomou sangue do urso. O sangue desceu queimando suas entranhas e a deixou vulnerável, agora ela entendia porque não deveria verter sangue animal.

            O menino, tinha sua perna lacerada pelo urso bem de frente para a filha da Marca. O medo estampava o rosto da criança que a viu sugar o animal, o sangue quente ainda escorria por entre os caninos alongados e o pescoço da filha de Caim.

            Mei sentia sua consciência a deixando como em uma ampulheta de boca larga que perdia areia para a gravidade, e se relacionava à medida que o maldito sangue lhe queimava as entranha, associado isso, a fome aumentou, ela sentia o perfume do sabor do sangue do garoto, deixando um rastro arrastado na grama enquanto ele tentava fugir.

            O frenesi dominou Mei e na inconsciência, já em frangalhos pela fome e agora, também pelo sangue do animal que quase a deixou impotente, Ana Mei se arrastou até o pobre menino e o sugou até a morte.

            Nesse meio tempo, os dois companheiros que escaparam do urso, chamaram os aldeões da vila e eles vieram prontos para enfrentar o animal, mas se depararam com a cena grotesca de Ana Mei próxima ao menino, as presas, eram semelhantes à de um tigre da montanha. O sangue que banhava suas roupas era do animal, mas nesse instante, isso fazia pouca diferença.

            Mei continuava fraca, mesmo após ter vertido o sangue humano, não conseguia se defender, contudo esse também não era seu desejo.

           Na vila ela fora amarrada a uma pira sobre o ritual de um dos mestres anciões do vilarejo. Os aldeões, que a julgavam uma bruxa, prepararam para atear fogo, momento que a pequena Marcada, avistou Caim e seu desespero.

            De longe, Caim sabia que as cordas, a qual sua filha fora amarrada, não a poderia conter em uma situação normal, o que ele não sabia era que ela havia ingerido sangue de um animal e toda sua força havia se extinguido.

            Caim não compreendia o motivo dela não sair dali, ao mesmo tempo sua filha lhe dizia que não era para ele se expor em favor dela.

            O vislumbre do Sol surgia no horizonte cortejando o dia, mesmo antes dos aldeões atirar fogo nela, os raios solares brilharam e embora ainda não haviam tocado Mei, seu corpo começava a queimar enquanto ela gritava para seu amado:

— Não venha! Isso é o que quero.

            Caim imaginava que ela não aguentaria o frenesi, e a qualquer momento se soltaria. Ao mesmo tempo ouvia.

— Não venha! Isso é o que quero, não aguento mais esta vida de morte! Desculpe se não te falei isso antes!

            Os gritos dissonantes da moça não eram ouvidos pela população do vilarejo que revolvia ao redor da fogueira como um moinho que sedia sua vontade ao rio cujo o assolava.

            O primeiro filho do homem, impotente, assistia sua amada ser levada pelo Sol e fogo e sofria por não se valer apenas dos olhos ao notar o sofrimento de sua filha e a alegria do vilarejo. Ana Mei já não mais existia no plano terreno. Em sua fúria Caim saltou na vila e atacou um jovem para se fortalecer perante o nascer do Sol. Todavia isso faz parte de uma outra história. 

Venha conhecer o nascimento do Primeiro Vampiro e de Ana em:

   “O Primeiro Filho do Homem” 

           Ana Mei, enfrentava os raios solares que lhe assaltava pior do que o fogo que vinha de baixo, sua pele queimava e o ardor percorria trilhas craqueladas em sua cútis que se perdia em cinzas flutuantes, com a menor das brisas.

            O fogo posto por um dos aldeões, mal lhe tocava e mesmo que o fizesse, sua preocupação se prendia nos raios solares. Não obstante, quando o fogo lambeu seus pés, tudo em sua frente ganhou um tom sombrio. Ao mesmo tempo os aldeões sumiam como fantasmas e os casebres davam lugar para um solo que se mesclava entre o branco e o cinza.

            Ao olhar para o chão. Ana, que se mantinha na posição, como se ainda estivesse amarrada, não viu mais a pira o ou fogo, viu apenas o solo com um símbolo ritualístico.

            Sem saber, mas com sua poderosa mente milenar ela pode compreender uma parte do que via.

          Pensando que ela era uma bruxa, os aldeões prepararam o lugar onde iriam queima-la com um ritual, quando o fogo que queimou sobre o ritual a tocou ela foi levada para um mundo diferente de onde estava, e deixou apenas suas cinzas cutâneas para trás.

             Ana não sabia ainda, mas se encontra em um lugar às avessas da Terra, como se esse plano fosse uma cópia malfeita do mundo onde vivia, mas não refletisse ele como de fato era. Parecia um mundo de sombras, mais primitivo e sem ninguém ao redor, ela nunca ouvira falar de um lugar assim e os aldeões deram lugar para algo espectral que vagava como vultos pálidos.

       Despencando no chão, Ana sentiu seus pés tocar algo como uma grama escurecida e desenhada por sombras insólitas, frias como o inverno e pegajosas como barro. Ao se aproximar viu que não era de fato gramas, era uma representação de uma, um reflexo perturbado das verdadeiras que existiam na verdadeira Terra, mas com características em penumbras, ao toque das mãos ela sentia o mesmo frio pegajoso dos pés, mas a medida que afastava-se aquela “sombra” capturada em suas mãos se esvaía e voltava para o lugar de origem. Ela não conseguia arranca-las, pois todas voltavam para seu lugar de origem tal qual areia se esvaia da mão, mas nesse caso, essa, perturbava a mente poderosa da Marcada, já que há via transpassar suas mãos como se elas não existissem e retornava a ser a grama sombria e fantasmagórica.

            Era como um irmão distorcido da Terra onde grama, não era grama e arvore não era arvore. Ela via as montanhas e a clareira onde abrigava a vila, mas não havia casebre ou seres nesse lugar. Tudo era uma sombra rustica do que se via na Terra.

            Poucos segundos após surgir nesse estranho mundo, viu aparecer um ser translucido, branco como uma nuvem e mais claro que tudo ao redor, possuía a forma de um homem, mas, existia uma força o puxando, para uma direção especifica, e como a nuvem levada pelo vento forte, essa aparição foi carregada, não obstante não perdera seus contornos.

            “Que lugar estranho! Será essa minha alma após morrer? Não pode ser, sinto minha carne e meus ossos. Porque é tão diferente da que acabei de ver? Seria por ser vampira!?” – pensou Mei se vendo como era na Terra com todas suas cores e temperos.

            Não tardou e várias seres fantasmagóricos surgiram, eles eram atraídos, não era um vento, elas eram tragadas para a mesma direção do anterior. Certo que um massacre acontecia naquele ponto. Com seu raciocínio milenar. Ana imaginava Caim ceifando a vida dos habitantes do vilarejo que a condenaram no mundo físico, se é que existisse tal coisa.

            Essas “almas”, Mei não sabia dizer, voavam rente ao chão e subiram o imenso morro em forma de “C”, onde a vila ficava e desapareciam em seu ápice.

            Perdida, começou a andar. Quanto mais caminhava mais julgava esse lugar estranho. Sua memória vampírica lhe permitia guardar senas e lugares e com elas logo descobriu que o terreno era o mesmo de onde vivia e por ele conseguia se orientar, sem contar que por anos morou na região. Ela se lembrava de algumas arvores da floresta por qual passou, mas nesse lugar havia menos arvores e as grossas se apresentavam como se fossem mais jovens. De qualquer forma não eram arvores de fato, mas sim uma representação gelada de sua verdadeira forma quando jovem.

            Perdida em seus pensamentos em um lugar totalmente novo e diferente predominado por sombras de um mundo monocromático, ela não pode deixar de julgar mórbido, quase morto, um terreno invadido por trevas,… perto de ser desgraçado, mesmo a luz da lua se destacava como um fantasma prateado se desvanecendo e desprovido de força.

            Apesar disso o céu era deslumbrante, parecia como se o cosmo se aproximasse e revelasse toda sua beleza com todos os seus desconhecidos entraves de cores e alguns planetas.

          Nesse lugar, tudo o que deveria ser terra, pedra e objetos inorgânicos, tinha uma tonalidade branca. Nesse momento ela compreendeu.

         “Esse mundo é um reflexo umbral, um espelho distorcido do planeta Terra, o oposto do mundo, mas parece ser uns 100 anos atrasado. Nesse lugar não há vida, por isso tudo o que tem vida biológica no mundo real é uma representação sombria, enquanto o que não tem vida tem uma tonalidade brancacenta.”

            A Marcada fazia cálculos e conjecturas com base no que via desse lugar e de como as “plantas” eram diferentes em idade ou lugar em comparação com as que conhecia do mesmo lugar na Terra.

            Ana se julgava um farol nesse mundo de sombras, ela se destacava com um arco-íris em meio a um tempo nebuloso, com todas as suas cores que no Mundo pareciam apagadas aqui ela resplandecia.   

            Caminhando a esmo sem que tivesse um lugar especifico para ir, optou por voltar para seu castelo, ao acelerar seus passos pensou algo que a fez caminhar.

            “Eu ainda possuo sangue, mas não tem ninguém para que eu possa me alimentar. Ao menos, não até agora. Preciso ter cuidado para consumi-lo.”

            Sem gastar seu sangue, Mei levaria pouco menos que um dia para chegar até onde morava, embora não acreditasse que encontraria alguém, lá era sua única esperança. Durante o trajeto, Ana conseguiu expelir o sangue do urso o que lhe causou desconforto.

            Mei sentia cada passo como se estivesse andando através de uma paisagem de pesadelo, como se fizesse parte de uma tela a óleo branco e preto e suas mesclas, o caminhar era pesado e arrastado como se esse mundo tentasse sugar sua essência vibrante para ganhar suas cores, ou um resquício de vida e que possuía, mas via seus pés deixando a sombra de grama limpo e liso como se não houvesse poeira no mar cinza.

            Próxima ao castelo, onde vivia com Caim, Ana o viu, mas era um reflexo desbotado de um mundo que tinha vida. A Marcada (vampira), encarou a natureza efêmera desse mundo com olhar carregado de melancolia. Sua antiga morada não passava de uma imagem pálida da Terra, onde guardava ecos de uma semivida outrora vivaz.

            Ela via as rochas que moldavam seu castelo mais claras do que eram na realidade terrena. Descrevia para sim o castelo como sendo mais novo, não obstante parecia que o ambiente estiva em constante movimento, discreto, mas presente, quase como se a realidade local estivesse distorcida e instável.

        Então algo impactou sua percepção sobrenatural. Foi rápido, mas dotada de raciocínio rápido e vivo ela sabia.

            Certamente não era humano, mas sim uma criatura de escuridão. A bocarra cheia de dentes irregulares, ao passar revelou algo como dois membros saindo das costas.

            Ao tocar a casca de uma das últimas árvores sombrias da floresta que rodeava o castelo. Ana sentiu a realidade de Purdan ceder ligeiramente antes de resistir na figura do tronco sombrio. Sentiu a mão afundar milímetros no espectro escuro e gelado até encontrar a resistência daquilo que lembrava um plagio mal feito de uma árvore.            

            Como se sentisse algo, o ser voltou agilmente e colocou a cabeçorra com um chifre torto sobressaindo da lateral para fora da janela. As garras batiam e rasgava a pedra, sem que uma marca fosse deixada. Os orifícios de um nariz sem cartilagem farejavam o ar ao mesmo tempo que olhos vermelhos vasculhavam as redondezas em uma busca frenética.

           A criatura, não era mais estranho do que a fulguração que partia dela. A Marcada se lembrou das almas sendo levadas, mas essa besta continuava ali, sem ser tragada e embora virasse o focinho febrilmente para um lado ou outro, aquele borrão presa na aberração tal qual um tecido ao vento balançando sempre para o mesmo ponto, sem se desprender. Ana tinha certeza de que a direção era a mesma para onde haviam partido as almas.

            Nesse momento a entidade há viu, os olhos vermelhos sangue a encararam e ela a ele. O monstro recuou, os olhos arderam e se injetaram mais. Voltou para a pequena janela do castelo como se não creditasse no que via. Farejou mais. Era certo. Ele sentira a presença dela. Antes de partir ele a encarou uma outra vez.

Estavam distantes, mesmo assim Mei ouviu ele gritando ás pressas.

            Fugir seria o instinto mais prudente, mas se o fizesse, não descobriria nada desse lugar amaldiçoado. Confiou na supremacia que a Marca lhe concedia, ela caminhou resolutamente em direção os portões do castelo.          

continua...

            Dois seres corriam para fora do castelo.

­            — Qual o motivo da urgência Gusinon?

            — Não sei ao certo. Por mais que olhasse e mesmo vivendo milênios, penso ter enxergando coisas!

            — Você está com fome ou algo assim?

            — Sabe que não. Comemos mais almas do que pudemos suportar ontem. E ainda continuamos com as prisões das almas cheias. Nos falta um pouco de sangue, mas mesmo assim, ainda o temos.

            Ao atravessarem o portão os dois a encontraram. As sombras em Purdan nunca se alteraram tanto. A chegada desse ser, perturbaria as “águas” estagnadas daquele mundo.

           Gusinon, o primeiro a vê-la, se aproximou cautelosamente pelo lado esquerdo com peito estufado. Vapolin caminhava pelo lado direito, com as patas da frente no chão, como se fosse um gato acuado prestes a atacar.

           Ela os encarava estática e com feições aguçadas, algo que os dois não tinham capacidade para entender.

           — Falei que seria interessante! – afirmou Gusinon com tom grave.

           — Só não disse que seria excepcionalmente apetitoso! – riu Vapolin agudamente.

           — Calma, não sabemos o que é.

           — É evidente que é uma humana. – disse a mesma voz esganiçada.

           — Vocês pensam em me transformar em alimento? Não poderiam ser uma piada mais descabida. – disse Ana friamente.

           Vapolin saltou para trás, quase caindo na vala próximo ao castelo, enquanto Gusinon estufou o peito e levantou a cabeça para trás pronto para fugir ou atacar.

          Ana Mei, viu as duas figuras receosas se aproximarem, o que lhe deu certa vantagem, já que aquelas abominações pareciam nunca ter visto algo como ela também. Ela não sabia o motivo, mas se sentia mais poderosa do que quando na Terra.

          A anomalia de olho vermelhos, ela era grande e robusta, com cotos que antes pensara ser membros saindo das costas, a caixa torácica parecia um barril ossudo, os braços e pernas eram curtos e fortes. O outro lembrava um bicho-pau, com a cabeça triangular e dentes serrilhados em uma boca ovalada, a encarava com olhos amarelos e esbugalhados e pupilas diagonais, os braços e pernas eram compridos com garras afiadas que penetravam a sobra da grama como foices.

          Ana, ficou quiete e esperou, não tardou até falarem e surpreendentemente, ela os entendia, embora a língua não lhe parecesse conhecida.

          — Ser desprezível! – disse Vapolin reagindo ao susto. — Uma humana não pode nos impor medo, ainda mais sendo o maior Vaso de Sangue que já vi em minha vida.

          — Quem são vocês, monstros?

          — Quem é o monstro aqui, se não você!

Embora apenas o mais magro respondesse, Mei se mantinha atenta a ambos.

         — Nós somos demônios. – disse o que possuía a voz grave. — E você, quem é?

         — Sou uma Marcada. – Ana recordou quando Caim lhe explicou sobre os demônios que sussurravam maldades aos humanos na terra através do plano espiritual, as vezes eram até possuídos. Seriam os seres desse mundo? Ana se perguntava.

         — Nunca ouvi falar! Ela está mentindo Gusinon. Vamos pega-la.

         O demônio de aspecto robusto fez um acenou simples e leve, mas negando.

         — O que é uma Marcada? – continuou Gusinon.

         — Somos conhecidos como vampiros.

         — Nunca ouvimos falar. E acredite, vivemos desde antes da formação de Pudan, portanto, sabemos algo. Por acaso, não quer dizer que é um humano?

         “Poderia eles não saber o que sou?”

         — Já fui humana.

         — Por isso ela cheira tão bem Gusinon. Vamos pega-la.

         Ana se moveu rapidamente para uma defensiva, fervilhando os ânimos dos demônios.

           — Fique quieto, demônio maldito. Já viu algo assim!? Sabe do que ela é capaz? Se a força dela vier da alma e do sangue, já imaginou o tamanho do poder dela? – Gussion disse parra Vapolin, era ríspido, mas a frase foi dita sem pressa e no mesmo tom de conversa.

           — Ei humana! Como veio parar em Purdan?

           Ana encarou Gusinon.

           — Gusinon! O que é Purdan?

           O demônio sorriu satisfeito. Certamente ela caiu faz pouco tempo nesse mundo e eles foram os primeiros a encontrá-la. Seria complicado competir por esse Vaso de sangue e alma. Por sorte, viviam próximo aos portões, o que dificultava o encontro com outros demônios. Seus itens de alma eram degradados mais rápidos, todavia, era um preço baixo a pagar comparado à concorrência das metrópoles.

           Ana percebeu algo errado na face monstruosa, não sabia exatamente o que, mas tinha certeza que o demônio Gusinon ficou satisfeito com a resposta dela.

          “Certamente é uma humana. Pelo que lembro, humanos não tem poder algum e são mais macios do que rocha.”

          — Vapolin, ela é humana, não tem Espaço da Alma ou poder. – ao dizer isso riu com malícia.

          Vapolin saltou como um lobo magrelo, enquanto Gusinon vinha como um pedregulho descendo a montanha. Em pouco tempo os olhos amarelados de Vapolin se aproximaram da humana, as suas garras estavam prestes a se fecharam naquela cabecinha, quando Gusinon parou rapidamente ouvindo o guinchar doido do companheiro.

          Olhando para os cotos de seus braços, Vapolin enxergava sua essência negra fugir como fumaça rumo ao inferno. No chão, via suas orgulhosas garras como o restou dos membros se transformando em essência negra e partir em direção aos portões do inferno.

          Os olhos vermelhos de Gusinon se arregalaram e ele freou a poucos passos da humana. Abobadado encarava aquela situação improvável.

           — Sou Vapolin, filho de Vapula. Acha que isso vai ficar…

          Sem ouvir o restante, Gusinon via a cabeça triangular do parceiro fazer um arco sobre si e cair com um baque atrás de si. Ele ouvira lendas de demônios rejeitados que morriam em Purdan e voltavam ao inferno, mas nunca imaginou presenciar isso. Sabia que poderia roubar a essência da alma do Espaço da Alma de Vapolin, mas não arriscaria isso na frente daquela humana.

          Ela era rápida, Vapolin tinha o dobro do tamanho da humana e ao se aproximar, Gusinos a viu se abaixar com os braços para baixo, a alma dela se expandiu em tom avermelhado e ainda circundava os pequenos braços dela, das unhas partiam garras em forma de adagas. Quando se deu por si, percebeu os braços compridos sendo consumido no chão prateado de Purdan.

          “Essa humana consegue controlar os Caminhos do Infinito com essência de sangue. Impossível!”

Descubra a Origem da Lenda: Mergulhe na Jornada Épica de Ana Mei em ‘O Primeiro Filho do Homem’ – Onde o Destino Desafia a Eternidade.

Continua...

Venha conhecer o nascimento do Primeiro Vampiro e de Ana em:

   “O Primeiro Filho do Homem” 

          Mei nem se preocupou com o demônio magrela, ela se viu com uma aura avermelhada rodeando todo seu corpo, embora mais concentrada nas unhas, sentia a energia dando forma ao que quisesse. Ao se virar, decepou a cabeça formigoide a lançando propositalmente.

            A vampira encarava Gusinon que lhe parecia amedrontado. Sem ele saber, ela se sentia assim também, além de um mix de angustia e apreensão. Afinal de contas, era tudo novidade apara ela e em meio aquele lugar sombrio, de textura fria e pegajosa, como se a grama ou solo tentasse segura-la, a inspiração vampiresca involuntária veio.

            Essa era a primeira vez que inspirava nesse mundo. O odor predominante era desconhecido, algo estagnado e inespecífico, mais parecido com o “nada”, mas o aroma delicado do sangue a invadiu. Um rápido olhar revelou duas coisas no chão, parecia com bolsas ou algo do tipo, mas não poderia parar para avaliar nesse instante.

            — Parado! – disse ao ver o demônio se posicionar como um sapo prestes a saltar. — Vou querer umas respostas.

Sol

— O que é Purdan e como vim parar aqui? – perguntou Ana.

— Quem é você!? Vapula era seu pai, um poderoso duque do inferno, comandante de trinta e seis legiões. – disse Gusinon com olhos trêmulos.

O demônio sentiu seu pescoço largo ser comprimido em um ponto como uma mordida do próprio Asmodeus, um dos sete príncipes do inferno.

“Como cobriu essa distância tão rápido?”

— Acalme-se humana. Não quero morrer!

— Então me responda.

— Purdan é esse mundo. Os humanos conhecem como Terra.

— Essa não é a Terra de verdade. Eu sei, vim de lá.

— Não é a Terra como realmente conhece. Pense nisso como sendo um vaso vazio da sua Terra. É só sua forma sem alma ou vida, um reflexo tardio da realidade.

— Por que isso existe?

— Como vou saber? – sentiu um apertão mais forte, se fosse um pouco mais abriria uma fenda em seu faço e certamente perderia parte de sua essência. Não queria correr esse risco, pensou ao olhar o corpo de Vapolin se esvair em essência negra.

— Fala agora!

— Eu acho que é para as almas poderem encontrar os portões. – disse com voz arrastada.

— Portões?

— Sim! Os do Céu e inferno.

Gusinon via as feições expressivas da humana e começava a entende-las, Ela aparentava dúvidas.

— Ei humana! Pode me largar, pelo que vi, não tenho capacidade para fugir de ti e nem poder para lhe vencer. – falou em meio a dor perceptível.

Ana o encarou antes de largar o demônio, não gostava da textura do pescoço curto e gosmento de Gusinon. Ele se esticou em pé e se elevou acima da chinesa com as duas mãos massageando o pescoço.Ele via a humana encarar cada parte de seu corpo com curiosidade enquanto pensava se haveria uma maneira de sobrepujar ela, que sem dúvida era a encarnação do tesouro mais precioso de toda Purdan.

Gusinon engoliu em seco e sentia sua confiança evaporando como um Vaso da Alma quebrado. “De que vale eu tentar alcançar um tesouro inalcançável às custas da minha Essência Negra?” – o demônio travava uma batalha interna e tentava vencer a cobiça.
— Se me enganar, farei você virar fumaça igual seu amigo. – afirmou Mei.
— Ele não virou fumaça. Simplesmente sua Essência de Vida voltou par o inferno. Não parece se importar muito com isso, mas quero lhe dizer que meu pai é Gusoyn, também é duque no inferno e comanda quarenta legiões.
— Purdan, não é o inferno pelo que me disse. Isso é uma antessala ou algo assim?
— Não sei o que é isso. Purdan é onde vivem os demônios rejeitados ou os anjos caídos. Só isso.
— É o Purgatório!? O que faz aqui se o pai é tão importante no inferno?

Gusinon não sabia o que era purgatório, resolveu não falar nada para ofender essa humana.
— Tanto meu pai, quanto o de Vapolin, nos expulsou do inferno.
— O que fizeram?
— Nada!
— Por que os expulsaram? – Ana parecia enfezada, embora Gusinon não entendia o motivo, já que ele contribuía com ela.
— Eles imaginavam que poderíamos matã-los para roubar seus tronos. O que mais seria!? – disse simplesmente, como se fosse algo normal.
— Mas, deram algum sinal disso?

Sem entender onde ela queria chegar, ele continuou a responde-la.
— Não posso responder por Vapolin, nunca falei sobre isso com ele. Eu nunca tentei nada contra meu pai.
— Por que tentariam fazer algo assim?

Continua...